Evento com juristas chapa-branca foi dedicado aos mais baixos ataques ao juiz federal Sergio Moro, contra quem pesaram acusações de 'problemas psicológicos' e comparações a Hitler. Já o combate à corrupção foi tratado como um problema de menor gravidade
Por: Felipe Frazão, de Brasília / Veja Online
A presidente Dilma
Rousseff voltou nesta terça-feira a dar curso à estratégia petista de atacar o
juiz federal Sérgio Moro - e, deixando de lado o decoro que a função de chefe
de Estado exige, adotou abertamente um discurso de militante do Partido dos
Trabalhadores, além de transformar o Planalto em um palanque. Dilma chegou a dizer
ao microfone a frase "Não vai ter golpe", transformada em mantra
pelos movimentos de esquerda que insistem em comparar indevidamente um
mecanismo previsto na Constituição ao golpe militar de 1964.
A presidente ainda
abriu os microfones do governo federal a um grupo de juristas chapa-branca
dedicado a desferir ataques na cruzada petista contra o magistrado à frente da
Operação Lava Jato. Eles também se levantaram contra o Ministério Público
Federal, a campanha 'Dez Medidas contra a Corrupção' e repudiaram o apoio da
Ordem dos Advogados do Brasil ao impeachment de Dilma.
Ao fim das quase
três horas de discursos, Dilma afirmou que não há razão para o processo de
impeachment em curso no Congresso Nacional e rechaçou a possibilidade de
renunciar ao cargo. Ela disse que há no país "uma conjuração que ameaça a
normalidade democrática" e uma "ruptura institucional forjada nos
porões da baixa política". "Eu me dirijo a vocês com a consciência
tranquila de não ter praticado qualquer ato ilício a caracterizar crime de
responsabilidade", disse a presidente. "Não cometi crimes para
interromper o meu mandato. É uma injustiça brutal. É uma ilegalidade. Já fui
vítima dessa injustiça uma vez na ditadura e lutarei para não ser vítima de
novo em plena democracia. Nesse caso não cabem meias palavras: o que está em
curso é um golpe contra a democracia. Eu jamais renunciarei."
Sem citar Moro,
Dilma afirmou que o país precisa de juízes "sensatos, serenos e
imparciais", ainda que tenham suas convicções partidárias. "A Justiça
brasileira fica enfraquecida e a Constituição, rasgada, quando são gravados
diálogos da presidente da República sem autorização do STF. Gravações que não
dizem respeito ao objeto das investigações maculam imagem e invadem
privacidade." A presidente ainda afirmou que o governo está
"mobilizando a sociedade em mais uma campanha pela legalidade", em
referência à campanha liderada por Leonel Brizola, em 1961, para evitar um
golpe militar com a renúncia do ex-presidente Jânio Quadros.
A ofensiva do
Executivo sobre o Judiciário ficou evidente na semana passada, quando Dilma
acusou Moro de violar a Lei de Segurança Nacional ao suspender o sigilo de um
grampo telefônico contra o ex-presidente e quase ministro Lula, no qual ela foi
flagrada oferecendo ao antecessor o termo de posse antecipado na Casa Civil
para uso "em caso de necessidade" - uma espécie de salvo-conduto
contra pedidos de prisão.
Dilma chegou a
dizer na sexta-feira que, no exterior, "quem grampeia presidente da
República vai preso". No mesmo dia, a Ordem dos Advogados do Brasil
decidiu apoiar o impeachment da presidente no Congresso Nacional. Mais de
quinhentos juízes divulgaram carta em solidariedade a Moro, alvo de ataques de
advogados e do governo. Ele também ganhou apoio Ministério Público, da
Associação dos Magistrados Brasileiros e da Associação dos Juízes Federais do
Brasil.
Entre os apoiadores
de Dilma havia nesta terça-feira professores universitários, estudantes de
direito que militam no PT, juízes, ex-magistrados e advogados - inclusive
Alberto Toron, que defendeu na Lava Jato o empreiteiro-delator Ricardo Pessoa,
dono da UTC, e agora advoga para Fernando Bittar, apontado como laranja do
ex-presidente Lula no sítio de Atibaia (SP). Ele também defendeu o ex-deputado
petista João Paulo Cunha, condenado no mensalão. Em dezembro, Dilma já havia
arregimentado e levado ao Palácio do Planalto um grupo de juristas
simpatizantes para encontrar argumentos contra o processo de impeachment.
Dilma assistiu ao
desfile de discursos chapa-branca ao lado dos ministros José Eduardo Cardozo
(AGU) e Eugênio Aragão (Justiça). Cardozo disse que a Advocacia-Geral da União
vai provocar o Supremo Tribunal Federal para que a corte defina "limites
de atuação" de procuradores, juízes e policiais em relação ao sigilo
telefônico de presidentes nas investigações. Ele esbravejou: "Não
passarão". Militantes do PT, da UNE e de movimentos sociais interromperam
os discursos com gritos como "Não vai ter golpe" e "A OAB apoiou
a Ditadura". O ato político foi transmitido ao vivo pelo canal oficial do
governo, NBR TV.
Moro não foi citado
nominalmente, mas chamado de "juiz do principado de Curitiba" e
comparado a um Führer - título associado ao líder do nazismo Adolf Hitler. Eles
acusaram o juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba de cometer crime,
"arrombar a legalidade" e ainda pediram a prisão de Moro. "Se
ele não está com um problema psicológico, ele é um criminoso. Senão, tem que ir
para o manicômio", disse o professor Marcelo Neves, da Faculdade de
Direito de Brasília (UnB). "Nem juiz federal nem um ministro do STF estão
acima da lei e da Constituição."
Neves disse que
"às vezes é constrangedor" apoiar governos populares com integrantes
envolvidos em escândalos de corrupção, mas que apontaria ilegalidades de uma
ditadura judicial e do Estado policial no Brasil.
Ex-presidente da
Associação Nacional dos Juízes Federais, o governador do Maranhão, Flávio Dino
(PCdoB), assegurou que crescem dramaticamente no país forças fascistas na busca
de "um Führer, um protetor". Ele citou o golpe militar de 1964 e
emendou: "Ontem as Forças Armadas, hoje a toga supostamente imparcial e
democrática". Dino afirmou que "os abusos de um juiz contaminam a
ordem jurídica". "Poder judicial não pode mandar carta para passeata.
Se procurador ou juiz quiser fazer passeata, que peça demissão. Não use a toga
para fazer política, porque isso acaba por destruir o Poder Judiciário",
disse.
O governador
maranhense, que por anos criticou desmandos do clã Sarney em seu Estado, também
minimizou o combate à corrupção e salientou que esse foco é uma estratégia de
luta política no país e serve para "esconder os verdadeiros problemas
nacionais". "A maior corrupção que pode existir numa sociedade é a
desigualdade, a injustiça social. Aqueles que pretendem situar que apenas a
corrupção no Estado deve ser combatida pretendem, na verdade, proteger seus
privilégios de classe, de carta e de testamento", disse Dino.
O diretor da
Faculdade de Direito do Recife, Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti, disse
que acelerar o processo de impeachment de Dilma na Câmara dos Deputados
ajudaria a tornar mais lento o processo disciplinar por quebra de decoro contra
o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu na Operação Lava Jato
perante o Supremo. Ele afirmou que as pedaladas fiscais não justificam o
impeachment e que os "bancos públicos receberam valores muitos maiores do
que os pequenos atrasos por queda na arrecadação". "Para sermos
coerentes, teríamos que afastar em torno de dezesseis governadores",
ponderou Cavalcanti. "Estamos num tempo em que os golpes não são dados
pelas Forças Armadas, os golpes são aplicados com artifícios jurídicos."
No ato político desta
terça, o criminalista Alberto Toron criticou Moro e o Ministério Público e
disse que as "autoridades que deveriam zelar pela aplicação do direito e
dos valores constitucionais descumprem perversamente mandamentos claros" e
usam o princípio da proporcionalidade para "arrombar a legalidade":
"É o que o juiz do principado de Curitiba tem feito. Vemos o próprio juiz
do processo dando a público coisas que deveriam por força de lei ser mantidas
em sigilo".
Assim como Toron, a
juíza Gláucia Foley, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios, criticou a campanha do Ministério Público "Dez medidas contra
a Corrupção". Para ela, as propostas são "retrocessos em conquistas
constitucionais". "Não se combate a corrupção corrompendo a
Constituição", declarou a magistrada simpatizante do governo Dilma.
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